05/04/2021

A Política de Privacidade e a LGPD

A Política de Privacidade e a LGPD

I - OBSERVAÇÕES HISTÓRICO-JURÍDICAS FUNDAMENTAIS

A Política de Privacidade (PPr) de uma empresa é documento essencial, no qual se colocam os objetivos, interesses, e se identificam as responsabilidades no uso e aplicação de quaisquer dados, sejam eles comerciais, administrativos, mas principalmente os pessoais, para a realização e implementação do modelo de negócios[1].

Dessa forma, pelas diretrizes e objetivos presentes na PPr se demonstram as motivações com as quais a atividade empresarial trata os dados e quais as finalidades, tanto comerciais e/ou administrativas quanto legais, para o “agir” em relação aos dados.

Não se estrutura uma PPr sem conhecer as bases da atividade empresarial, do negócio. Esse conhecimento, apesar de parecer óbvio, é fundamental para entender a razão pela qual a empresa optou por aquele tipo de atividade, e não será um advogado ou Departamento Jurídico que irá determinar esse caldo de cultura. Via de regra isso passa pelos Departamentos Comercial, de Marketing, de TI, Diretorias, e o Jurídico.

Vale observar que a utilização da PPr, termos de uso e política de cookies é anterior à entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) [Lei federal 13.709/2018], com redação dada pela Lei federal 13.853/2019.

Várias legislações já contemplavam o dever de respeito ao uso de dados pessoais, ao direito de personalidade, à transparência na relação entre empresa e cliente, e entre fornecedor e consumidor de produtos e serviços. A Constituição Federal de 1988 (CF de 1988), o Código de Defesa do Consumidor [Lei 8.078/1990], o Código Civil [Lei 10.406/2002], o Marco Civil da Internet [Lei 12.965/2014], entre outras legislações, inclusive internacionais, já demarcavam a obrigação legal de as empresas que utilizam dados pessoais atuarem junto ao seu público com transparência, estabelecendo e expondo em sua PPr as diretrizes e regras  que regulam a oferta dos seus produtos e/ou serviços aos consumidores — desde o início da relação —, ainda que ao longo do tempo tais regras e diretrizes necessitem alterações e adequações comerciais e/ou legais por força de fatores mercadológicos ou normativos.

As empresas sérias e comprometidas com as relações humanas que são oriundas do uso de seus produtos e/ou serviços, há muito tempo já adotaram em suas práticas comerciais o respeito ao direito à privacidade de seus clientes, colaboradores, empresas parceiras etc. Trata-se de direito histórico, gênero que comporta quatro espécies: intimidade, vida privada, honra e imagem. Vejamos:

“O termo direito à intimidade é considerado como tipificação dos chamados ‘direitos da personalidade’, que são inerentes ao próprio homem e têm por objetivo resguardar a dignidade da pessoa humana.  Surgem como uma reação à teoria estatal sobre o indivíduo e encontram guarida em documentos como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 (art. 12), a 9ª Conferência Internacional Americana de 1948 (art. 5º), a Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1950 (art. 8º), a Convenção Panamericana dos Direitos do Homem de 1959, a Conferência Nórdica sobre o Direito à Intimidade, de 1967, além de outros documentos internacionais. Vale ressaltar que a matéria é objeto tanto da Constituição Federal de 1988 quanto do Código Civil brasileiro de 2002 (arts. 11 ao 21), o que provocou o seu tratamento mais aprofundado e amplo pela doutrina nacional. Ainda, a Constituição Federal de 1988, à semelhança do texto constitucional de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional 1/1969, atribui às figuras da intimidade e da vida privada tipificação diversa”.[2]

A Carta Constitucional de 1988, dentro do título dedicado aos direitos fundamentais, prevê no art. 5º, incisos X e XII, os direitos à privacidade e à proteção de dados:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[...]

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Como se vê, a privacidade é direito fundamental ligado à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, e a “Política de Privacidade” deve – ou deveria – ter seu texto exposto pelas empresas desde que a CF de 1988 resguardou definitivamente esse direito como garantia a ser preservada, principalmente no uso de dados pessoais nas atividades comerciais e empresariais.

II- A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS INSERIDA NA POLÍTICA DE PRIVACIDADE

A proteção de dados pessoais pode ser, numa rápida leitura, verificada na linha histórica que destacamos:

- CF (1988), art. 5º, incisos X e XII, acima descritos;

- CDC (1990), art. 72: Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros; Pena: Detenção de seis meses a um ano ou multa;

- Código Civil (2002), art. 21: A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma;

- Marco Civil da Internet (2014), art. 3º, incisos II e III: A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: II - proteção da privacidade; III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei;

Art. 7º: O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Por encadeamento dedutivo, a PPr obedece à normatividade brasileira e internacional já de algum tempo, e por essa razão as empresas a adotam como instrumento de transparência e garantia dos negócios empresariais.

Ocorre que em 2018, 30 anos após a entrada em vigor da CF de 1988, as PPr tiveram de se adequar às especificidades contidas na nova legislação, a LGPD, o que, por óbvio, demandou e demanda alterações e inclusões relativas à proteção de dados das pessoas naturais.

Assim temos feito com nossos clientes: inserimos as especificidades da LGPD, adequando-as aos textos de privacidade das empresas. Aquelas que ainda não têm os termos de privacidade, devem, em obediência ao princípio da publicidade e da transparência redigir a PPr, os termos de uso, a política de cookies, inserindo as diretrizes legais da nova lei relativamente aos direitos do titular de dados bem como as responsabilidades pelo tratamento desses dados.

Repetimos que a estrutura da PPr depende do conhecimento das bases da atividade empresarial, do negócio e de um trabalho conjunto dos departamentos da empresa.

Por essa razão, e em obediência às boas práticas empresárias, os departamentos — comercial, marketing, TI, jurídico, dentre outros —devem elaborar internamente um documento que possa refletir as “tais bases da atividade empresarial”, já que só eles podem expor essas bases e suas responsabilidades em relação ao negócio. Por isso, entender os processos e os objetivos da empresa e suas finalidades, e a legislação que orienta o mercado no qual ela atua, ajudará na construção de um texto da PPr claro e de interpretação da atividade e postura empresarial por parte de qualquer consumidor ou cliente que acesse os ambientes virtuais da empresa.

Por isso, orientamos as empresas para o fato de que numa PPr conste não somente o tratamento de dados, mas como elas “atuam” no mercado (o que produzem, constroem, entregam, quais os serviços prestados, padrão de qualidade, definições de alguns conceitos atrelados à atividade etc.)

É a partir de um termo concatenado, com as ideias e objetivos descritos pela empresa, que se acrescentam as exigências contidas na LGPD, levando em consideração que a PPr tem de ser clara, de leitura compreensível não só para o titular do dado pessoal, de acordo com a LGPD (art. 6º, inciso VI), mas para fornecedores, empresas parceiras etc.

Dessa forma, nossos clientes-empresas nos entregam o texto da PPr e da política de cookies para que, após a leitura feita por nós, possamos inserir esclarecimentos legais com base na LGPD. Não antes. Isso seria leviano.

Por isso solicitamos o texto da PPr, o analisamos, sugerimos revisões, acréscimos, ou até redação diferenciada sobre determinados trechos.

 

CONCLUSÃO

A PPr é documento que deveria estar há muito tempo dentre as relações de transparência oriundas dos negócios jurídicos empresariais. É documento essencial desde a CF de 1988. Mas é necessário repetir que o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e o Marco Civil da Internet trouxeram novas diretrizes diante da complexidade social e tecnológica relativamente ao uso dos dados de pessoas naturais.

Em síntese, as empresas que não têm PPr devem providenciar sua elaboração redigindo os termos com acréscimo das diretrizes da LGPD, e aquelas empresas que já possuem uma PPr devem adequá-la às exigências da nova lei.

Bernardina Furtado e Paulo Abrão

Crédito da imagem: “Operários” (1933), Tarsila do Amaral.

 



[1] Ver mais sobre modelo de negócios em SEBRAE. Disponível em: < https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/startup-entenda-o-que-e-modelo-de-negocios,5b3bb2a178c83410VgnVCM1000003b74010aRCRD>. Acesso em: 5 abr. 2021.

[2] HIRATA, Alessandro. Direito à Privacidade. Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de 2017. Disponível em:. Acesso em: 4 abr. 2020.